
Faz algum tempo que um
detalhe no rádio e na televisão tem me incomodado. No início, pensei que fosse
implicância minha, mas, para não ser injusto, comecei a prestar atenção. Não é
implicância, não: locutores e apresentadores de rádio e televisão estão ficando,
a cada dia, piores na leitura. Parágrafos, pontos, vírgulas, dois pontos,
apostos, parênteses, evocativos, interrogações e toda sinalização que determina
o ritmo e a fluência de um texto estão sendo simplesmente ignorados. Tudo isso,
sem falar na cantilena irritante de quem lê mal, tem desafiado a paciência do
ouvinte e do telespectador. (Obrigado, Ivo Bueno Ferraz, pelo alerta quanto ao
erro de concordância na frase sobre a sinalização do texto, já corrigido).
Leitura é uma arte que se
desenvolve… lendo. Deve ser esta a razão para a nova maneira de ler da geração
atual de profissionais de comunicação. Hoje, não é preciso ter boa voz nem
dicção perfeita para assumir o microfone. Qualquer pessoa, literalmente, pode
exercer a função de locutor. Não digo isto por ressentimento, apenas relato a
realidade. É fato indiscutível e ponto.
Com o aumento, rápido,
desordenado e até ilegal de emissoras—as rádios piratas—houve a necessidade
imediata e crescente de mão de obra especializada, inexistente no mercado. A
solução foi criar a mentalidade de que não é preciso “falar bem” para ser
locutor. Decretou-se, então, a “naturalidade” como padrão desejável. Por
naturalidade, pode-se entender tudo. Já ouvi, inclusive, locutores de língua
presa. Roucos, afônicos, gagos e que tais nem dá para contar. Se alguém
criticar o absurdo, lá vem à justificativa: “queremos gente com voz e jeito de
gente. Nosso objetivo é a naturalidade.”.
Contra essa mentalidade, não
existe argumento. Qualquer dislalia vocal (mesmo as sérias) é logo catalogada
como “natural da pessoa” e a crítica profissional assume ares de discriminação;
censura à liberdade de expressão, entende? Uma inversão de valores sem sentido.
Dessa forma, instalou-se o
“liberou geral” e os locutores de ofício foram perdendo espaço nos veículos de
comunicação. A tática resultou na imediata redução de salário dos novatos e uma
substancial economia no custo operacional das emissoras. No fundo, essa é a
parte que mais interessa aos empresários do setor. O público teve que se
adaptar aos novos tempos. Muitas pessoas foram, elas mesmas, experimentar “a
sorte na latinha” (ou seja, foram tentadas a buscar emprego como “locutores”).
Como o diferencial sempre é o talento e quem vai pagar o salário delas é o
empregador, nada contra. Com a ressalva acima, sobre o achatamento salarial da
categoria.
Ocorre que, atualmente, está
ficando insuportável ouvir certos desempenhos vocais de gente despreparada
(homens e mulheres) que, sequer, imagina o que seja boa leitura. É um tal de
passar direto pela pontuação, “que vou te contar…” Esse despreparo não é
privilégio de “paraquedistas”, pessoas sem aptidão, que buscam o novo nicho de
mercado que a “naturalidade” ensejou. Tem acontecido com gente que cursou jornalismo
ou fez curso profissionalizante, para obter o DRT de radialista.
Veja um exemplo, mínimo,
durante um telejornal matutino. Use a imaginação, claro: Apresentador diz “São
oito horas a Avenida Paulista tem trânsito congestionado a repórter “fulana’
está acompanhando muita confusão conta pra gente…”.
Assim mesmo, sem pausa
sequer para respirar. Não se sabe se a frase afirma, sugere ou pergunta. Tudo é
dito em tom monocórdio, desprovido de inflexão, sem variação de tonalidade e
outros detalhes que fazem a “melodia” da fala. E atenção, pois melodia não é a
“cantilena” a que já me referi. Também é comum a “derrapada”, quando quem está
lendo sai da “pista” (erra o texto). A maioria nem se dá ao trabalho de
corrigir para tornar, pelo menos, inteligível o que acabou de ser dito.
Antes de você imaginar que pôr
no ar gente desqualificada para a função seja uma tendência de pequenas
emissoras, saiba que o “fenômeno” tem se reproduzido rapidamente em veículos da
chamada grande mídia.
Escrever, ler e falar são
atividades distintas embora, aparentemente, façam parte do mesmo pacote. É raro
encontrarmos quem escreva, leia e fale bem simultaneamente. Respeitar e adequar
às virtudes profissionais são dever do empregador sério, comprometido com a
atividade-fim da empresa. É o mínimo de respeito, também, que se deve ao público.